Uma nova opção de carreira
O mundo da filantropia girou. Antes relacionado apenas a senhoras da sociedade que organizam ações beneficentes, o setor tem ganhado executivos que usam ferramentas do universo corporativo para captar doações e desenhar projetos de sustentabilidade, geração de renda e educação. Esses profissionais podem cuidar de investimentos acima de R$ 100 milhões ao ano, visitam regularmente iniciativas em todo o Brasil e precisam mostrar resultados às entidades onde trabalham.
A responsabilidade é grande. Somente em 2016, 116 organizações do segmento aplicaram R$ 2,9 bilhões em atividades filantrópicas, de acordo com o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), que reúne mais de 150 membros. Desse total, 41% das instituições foram criadas entre 2001 e 2010, período que marcou também a busca de profissionais mais qualificados para essa frente de trabalho.
Desenvolver portfólios de projetos orientados por metas e negociar com diferentes públicos, além de criar metodologias de monitoramento, são tarefas cada vez mais corriqueiras na função. Com a crise econômica, o sinal amarelo também acendeu no segmento. Os gestores arregaçam as mangas para direcionar investimentos com mais assertividade e estudam novas maneiras de disseminar atividades com um maior impacto social.
“O país vem criando executivos do terceiro setor de maneira mais estruturada ao longo das últimas duas décadas, com a formação de um ambiente mais profissionalizado na filantropia”, analisa José Marcelo Zacchi, secretário geral do Gife. “Saímos de um segmento movido à boa intenção e disposição de contribuir para sermos parte de uma sociedade capaz de enfrentar, com competências e habilidades, os desafios coletivos.”
De acordo com Zacchi, a origem dos atuais líderes de entidades filantrópicas é bastante diversa. Há currículos moldados no setor privado, especialistas em investimento social ou com trajetórias acadêmicas, além de egressos da gestão pública e de fundações.
É o caso de Georgia Pessoa, 43 anos, diretora executiva do Instituto Humanize, que tem como filantropo mantenedor o empresário José Roberto Marinho. Advogada, ela liderava a área de meio ambiente da Fundação Roberto Marinho (FRM), no Rio de Janeiro, quando recebeu um convite para estruturar o instituto, em 2017.
“Passei por diversas etapas na carreira até chegar aqui”, diz Georgia, conhecida no setor como integrante de uma nova geração de gestores especializados em filantropia. “Além da iniciativa privada, trabalhei com governo, fundos ambientais e ONGs.”
A executiva lembra que começou ajudando o pai em uma empresa familiar de eficiência energética, no Ceará. “Isso me despertou um lado empreendedor e criativo”, diz a profissional, que também cumpriu expediente nos Estados Unidos, na Fundação Moore, dedicada à conservação do meio ambiente. “Foi quando conheci de perto uma organização orientada por resultados.”
No Instituto Humanize, voltado a ações de desenvolvimento sustentável e geração de renda, Georgia coordena um portfólio de cerca de 45 projetos apoiados diretamente pela entidade e outros 30 cofinanciados por outras organizações. Há ações na Bahia, Pará e Rio de Janeiro. Além de assegurar a obtenção de metas definidas pelo Humanize, ela precisa propor e aprovar com a presidência o orçamento anual, realizar a execução financeira dos projetos e acompanhar de perto as operações. Em média, faz uma viagem por semana. “Também é necessário articular negociações com parceiros estratégicos e encontrar sinergias para potencializar os investimentos”, explica.
Georgia diz que os maiores desafios da profissão incluem a habilidade de gerir equipes e a capacidade de se adaptar ao que não foi planejado. Com a crise econômica, os recursos financeiros estão mais escassos, explica, mas é preciso encontrar alternativas e realizar o que tem de ser feito. “Não criamos nada sozinhos. Desenvolver alianças para ações de interesse comum é uma via a se seguir na filantropia”, diz.
Para Denis Mizne, 42 anos, diretor executivo da Fundação Lemann, organização familiar sem fins lucrativos ligada ao empresário Jorge Paulo Lemann, atuar nesse nicho também exige cultivar relacionamentos com públicos diferentes. Há oito anos à frente da entidade voltada à educação, ele mantém uma agenda diária com professores, diretores de escolas e gestores públicos.
Advogado e também fundador do Instituto Sou da Paz, ONG focada na prevenção da violência, Mizne foi convidado pelo próprio Lemann para assumir o posto. “Conhecíamos uma pessoa em comum que nos apresentou”, lembra. Os projetos apoiados pela entidade, que tem 77 funcionários, incluem o Formar, que leva as melhores práticas de gestão escolar e ensino às redes públicas, com parcerias com 24 redes estaduais e municipais.
Para o executivo, assim como acontece no setor privado, a recessão obrigou as organizações do terceiro setor a serem ainda mais assertivas com os orçamentos. Mas o trabalho não pode parar, garante. “Os desafios sociais que o Brasil precisa vencer são urgentes e não podemos engavetar programas importantes à espera de um cenário financeiro mais favorável”, diz.
É o que pensa também a superintendente da Fundação Itaú Social, Angela Dannemann, 59 anos. “Foi exatamente por identificarmos esse quadro econômico que decidimos atuar com investimentos estratégicos, quebrando o paradigma de fomentar somente projetos”, explica. A proposta da entidade é disponibilizar recursos às necessidades de cada organização apoiada, para contribuir em áreas como gestão e sustentabilidade.
O Itaú Social é um dos três braços de investimento social privado do banco Itaú (além do Itaú Cultural e do Instituto Unibanco), voltado para a melhoria da educação pública. Desde 1993, quando ainda funcionava como o Programa de Ação Comunitária, até 2018, já investiu R$ 1,1 bilhão. Somente em 2018, as aplicações alcançaram R$ 128,7 milhões, com iniciativas em todo o Brasil.
“Nessa profissão, é preciso ter uma visão macro do campo de atuação, seja educação, saúde ou meio ambiente, combinada com a capacidade de gestão institucional”, diz a executiva, que lidera 47 funcionários. Na organização desde 2015, Angela também trabalhou como diretora da Fundação Victor Civita por seis anos. Para ela, o desempenho do executivo de filantropia está cada vez mais difundido e valorizado no mundo. “As empresas estão mais conscientes que precisam olhar para o seu papel social e não exclusivamente para o seu negócio principal.”
Fonte: Valor Econômico – Jacílio Saraiva.